Como 50 milhões de toneladas de plástico por ano afetam a saúde humana e o planeta, de acordo com um estudo internacional

Como 50 milhões de toneladas de plástico por ano afetam a saúde humana e o planeta, de acordo com um estudo internacional

O autor do estudo publicado na revista The Lancet falou ao Infobae sobre as principais medidas para superar a crise. Os resultados foram divulgados durante uma semana de negociações sobre um acordo global sobre o plástico

A poluição por plástico no mundo já atingiu níveis alarmantes e representa uma ameaça crescente para a saúde humana e para o planeta.

Anualmente, mais de 50 milhões de toneladas métricas de resíduos plásticos poluem o planeta e chegam até mesmo ao organismo humano.

Pela primeira vez, um grupo de especialistas realizou uma análise do impacto do plástico na saúde humana e de outras espécies que habitam a Terra, no âmbito da iniciativa The Lancet Countdown Saúde e Plásticos.

Os autores, pesquisadores dos EUA, Austrália, Suécia, Alemanha, Mônaco, Noruega, Reino Unido, Indonésia, Filipinas e Países Baixos, enfatizaram que o agravamento dos danos causados pelo plástico não é inevitável.

Existem medidas que podem ser tomadas para reduzir sua produção e promover sua reciclagem.

Dos Estados Unidos, Philip Landrigan, diretor do Programa de Saúde Global do Boston College e líder da revisão publicada na revista The Lancet, disse ao Infobae que existem duas ideias principais para combater a poluição por plástico:

  • Limitar a produção de plásticos.
  • Limitar a quantidade de substâncias químicas presentes nos plásticos.

Segundo os cientistas, um acordo global sobre os plásticos deve ser um instrumento baseado em dados científicos e que inclua restrições à sua produção. Isso é necessário para evitar uma crise cada vez mais dramática de poluição ambiental.

“É necessário estabelecer um limite mundial para a quantidade de plástico produzida. Hoje, cada vez mais plástico é produzido no mundo”, alertou.

“Esses ritmos de crescimento são insustentáveis. Por isso, um limite global para a produção de plástico, voltado para a restrição da produção de plástico descartável, é necessário para proteger a saúde humana”, afirmou.

Por outro lado, o Dr. Landrigan também mencionou que “os plásticos contêm mais de 16.000 substâncias químicas. Entre elas, há substâncias que podem causar câncer, afetar o sistema nervoso, especialmente em crianças, ou perturbar o funcionamento do sistema endócrino e reduzir a fertilidade humana”.

Além disso, ele indicou que os plásticos contêm muitas substâncias químicas cujo nível de toxicidade nunca foi avaliado.

“As substâncias químicas contidas nos plásticos são liberadas e entram no corpo humano através do ar, dos alimentos e da água”, afirmou ele. Essas substâncias são responsáveis pela maioria dos efeitos nocivos conhecidos das plásticos na saúde humana.

Atualmente, “as substâncias químicas estão sujeitas a restrições muito limitadas. É extremamente importante regulamentar as substâncias químicas nas plásticos e divulgar de forma transparente as informações sobre os seus riscos”.

Poluição por plástico: números e situação atual

Os resultados da revisão foram publicados em um momento decisivo: de 5 a 14 de agosto, no Palácio das Nações em Genebra, Suíça, será realizada a próxima reunião do Comitê Intergovernamental de Negociação, que está elaborando um documento internacional juridicamente vinculativo sobre a poluição por plásticos, incluindo a poluição marinha.

Desde 1950, a produção de plásticos aumentou mais de 200 vezes e, até 2060, deverá quase triplicar.

O crescimento mais rápido é observado na produção de plásticos descartáveis, como garrafas e embalagens para fast food.

Isso levou a 8 bilhões de toneladas de resíduos plásticos poluindo o planeta, da cima do Everest até as profundezas dos oceanos.

Mais de 100 países buscam um acordo para restringir a produção de plásticos em uma reunião convocada pela Organização das Nações Unidas em Genebra.

Menos de 10% dos resíduos plásticos são reciclados, e a maior parte vai para aterros, oceanos ou é queimada.

O relatório também observa que mais de 98% dos plásticos são produzidos a partir de petróleo, gás e carvão, e sua produção libera anualmente o equivalente a 2 bilhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera.

Mais da metade dos resíduos plásticos não reciclados é queimada a céu aberto, o que agrava a poluição atmosférica. A falta de transparência em relação aos compostos químicos contidos no plástico dificulta ainda mais a avaliação dos riscos.

Impacto global dos plásticos no meio ambiente

A análise dos pesquisadores mostrou que os plásticos afetam as pessoas e o meio ambiente em todas as etapas de seu ciclo de vida: desde a extração de combustíveis fósseis para sua produção, passando pela fabricação e uso, até a descarte.

Este processo leva à poluição da atmosfera, à exposição a substâncias químicas tóxicas e à entrada de microplásticos no corpo humano.

Além disso, a acumulação de plásticos no meio ambiente contribui para a proliferação de mosquitos transmissores de doenças como a dengue, uma vez que os recipientes descartados retêm água e se transformam em locais de reprodução.

Como os plásticos afetam a saúde

O impacto na saúde humana é especialmente grave para grupos vulneráveis da população, como fetos, bebês e crianças pequenas.

O impacto dos plásticos e das mais de 16.000 substâncias químicas que eles contêm, incluindo corantes, antipirenos e estabilizadores, está associada a um risco elevado de abortos espontâneos, partos prematuros, malformações congênitas, problemas de crescimento pulmonar, câncer infantil e problemas de fertilidade em fases mais avançadas da vida.

Microplásticos e nanoplásticos, formados pela decomposição de resíduos, foram encontrados no sangue, cérebro, leite materno, placenta, esperma e medula óssea.

Embora os efeitos a longo prazo dessas partículas ainda não sejam totalmente compreendidos, há indícios de que elas podem estar associadas a acidentes vasculares cerebrais e ataques cardíacos, o que levou os pesquisadores a recomendar uma abordagem cautelosa.

Custos ocultos e negociações internacionais

Os autores salientaram que, embora o plástico seja geralmente considerado um material barato, o seu impacto real na saúde e na economia é muito maior se se tiverem em conta estes custos ocultos.

Nesse contexto, a comunidade internacional se prepara para a última rodada de negociações em Genebra com o objetivo de chegar a um acordo sobre um tratado global juridicamente vinculativo para combater a poluição por plástico.

O mandato da ONU, adotado em 2022, exige uma abordagem abrangente que cubra todo o ciclo de vida do plástico, incluindo a poluição do meio marinho.

Mais de 100 países apoiam a introdução de restrições à produção de plásticos. Mas países como a Arábia Saudita, juntamente com a indústria do plástico, estão interferindo nas negociações, pois consideram que a solução deve se concentrar apenas na reciclagem.

Em contrapartida, os autores da revisão afirmam que o acordo também deve ter como objetivo restringir a produção.

Ao contrário de materiais como papel, vidro ou aço, os plásticos têm uma composição química complexa, o que dificulta sua reciclagem eficaz. Eles afirmam: “o mundo não pode sair da crise do plástico simplesmente mudando para a reciclagem”.

Rumo a um sistema global de monitoramento

Após a revisão dos estudos, os cientistas criaram um sistema global independente de monitoramento do impacto dos plásticos na saúde.

Ele foi inspirado no modelo existente de monitoramento das mudanças climáticas The Lancet Countdown.

O novo centro de observação irá coletar e publicar indicadores científicos que refletem todas as etapas do ciclo de vida do plástico, com o objetivo de informar e orientar a tomada de decisões na área da saúde pública.

Em entrevista ao Infobae, o cientista Conicet Andrés Arias, especialista em poluição marinha por plásticos que trabalha no Instituto Argentino de Oceanografia em Bahía Blanca, explicou que “o sistema de indicadores globais servirá para monitorar a poluição por plásticos e seu impacto na saúde humana e no planeta”.

O Dr. Arias é membro do comitê executivo da Coalizão Científica para um Tratado Eficaz sobre Plásticos e está em Genebra para acompanhar diretamente as negociações.

Trata-se de um monitoramento independente, baseado em dados científicos. “Isso permitirá avaliar o progresso das medidas adotadas no âmbito do Tratado Global sobre Plásticos, que está sendo elaborado, bem como de outras medidas políticas. Ao demonstrar os danos causados pelo plástico, o observatório colocará as questões de saúde pública no centro do debate”, acredita a investigadora.

Ele fornecerá dados “para orientar as decisões políticas a todos os níveis (local, nacional e internacional) e para promover medidas eficazes, tais como leis, incentivos e inovações. Além disso, ajudará a identificar tendências, lacunas e soluções e a evitar o agravamento da crise”.

O Dr. Landrigan, que há cinco décadas se dedica à pesquisa na área da saúde infantil, disse em entrevista ao Infobae: “Os países da América Latina têm uma oportunidade única de reduzir o impacto do plástico, controlar a poluição que ele causa e proteger a saúde das pessoas, proibindo o plástico descartável, como sacolas, canudos e talheres de plástico”.

O especialista observou que, na África, Quênia e Ruanda já adotaram tais medidas e “obtiveram resultados muito bons”.